Uberização e subordinação do trabalhador são debatidos no XXIX COMAT

04/10/2019

‘Direito do Trabalho nas Plataformas Virtuais’ foi o tema abordado no final da manhã de hoje (04), durante o Congresso de Magistrados Trabalhistas da Bahia – XXIX COMAT, realizado pela  AMATRA 5. O Procurador do Trabalho (MPT1-RJ) Rodrigo de Lacerda Carelli e o Juiz do Trabalho (TRT5-BA) e professor da UFBA Murilo Carvalho Sampaio Oliveira abordaram como o fenômeno da Uberização está reestruturando o modo de viver, a dinâmica do trabalho e a própria organização das empresas, que se colocam como plataformas digitais. O painel foi presidido pela Diretora da AMATRA 5,  Silvia Isabelle Teixeira do Vale.

Rodrigo Carelli iniciou o painel indicando que a classe econômica mundial, responsável por  comandar o atual modo de produzir, é chamada de classe vetorialista, representada por empresas como Google, Apple, Facebook e Amazon. “A antiga classe dominante que detinha os meios de produção era representada pelo dono da fábrica ou o dono da indústria, como existia nas outras estruturações produtivas, no entanto, agora não é assim, essa nova classe controla apenas a logística”. De acordo com o Procurador, a Uber se insere nessa lógica e dá nome ao fenômeno por ser uma das maiores representantes da classe. “É uma empresa da pós verdade. Isso quer dizer que ela é responsável pela imaginação da existência de uma realidade que não se preocupa muito com os fatos, entrando no imaginário social como uma representação de como você deve viver”.

Até o século XX, o mercado hoteleiro era controlado por grandes redes de hotelaria, grandes edifícios. No uberismo, temos uma empresa que aluga o maior número de quartos para viajantes no mundo, ou seja, é a maior rede hoteleira que existe sem ser proprietária de nenhum quarto. Ela controla todo o ecossistema: a plataforma, o algorítimo, os clientes, os trabalhadores, o preço e a remuneração de todos os envolvidos na execução do serviço. Portanto, “eles podem controlar mais eficientemente se não detiver a propriedade e, com isso, ganhar agilidade, poder de cálculo e de processamento. Na classe vetorialista, se uma empresa não está dando certo, ela simplesmente sai de lá e vai pra outra área. A classe vetorialista tem um sonho que é se livrar dos compromissos com a classe trabalhadora, sejam empresas ou pessoas”, explica Carelli.

Sob essa lógica acontece a substituição da propriedade para o uso, ou a licença de uso, e o usuário está substituindo o consumidor. “Isso vai alterar o direito e a noção de contrato porque transforma esses trabalhadores em uma mercadoria utilizável”. Através desse modo de trabalhar, as pessoas apostam nas ideias de maior liberdade pessoal, como empreendedores, mas isso tudo também faz parte da pós verdade, porque, ao controlar todo o ecossistema, a empresa tem a capacidade de controlar como a pessoa trabalha. O algorítimo já embute o controle desses trabalhadores, assim como seus conhecimentos e força de trabalho. Eles viram parte da máquina”. As consequências são a mercantilização máxima do trabalhador que se constitui como empresa de si mesmo e a casualização da força de trabalho, que vai desde o trabalho grátis a atividades sem sentido amplo. “A reforma trabalhista está recheada de exemplos de trabalhadores que não serão remunerados, o pensamento de você somente remunerar aquele que está efetivamente à disposição da empresa é um exemplo de casualização da força de trabalho”, comenta.

Frente à essa tendência que têm remodelado a estrutura do trabalho, Murilo Carvalho pôs em questão como as categorias de autonomia, subordinação e dependência têm sido tratadas pela Justiça do Trabalho. De acordo com o Juiz do Trabalho, a empresa Uber tenta se desvincular de qualquer obrigação trabalhista com seus colaboradores por se colocar não como uma empresa de transportes e, sim, de tecnologia. Através disso o trabalhador vai cumprir com os objetivos da empresa com a falsa ideia de liberdade e autonomia. “Temos a falsa autonomização desses trabalhadores que, apesar de serem controlados, não há subordinação no sentido tradicional, como hierarquia e controle de horário, porque não há ordens diretas. No entanto, a subordinação se apresenta de outras formas, com excesso de trabalho e pequena remuneração, exigindo um alto padrão de trabalho”.

Durante quatro séculos de capitalismo, o juiz destaca os três modelos de gestão de empresas: o Fordista, com a hierarquia sistematizada, a presença do capataz e do supervisor na fábrica; o Toyotista, com a terceirização interposta, e a Uberista, marcada pela subordinação por algorítimo e dependência econômica. “O direito do trabalho é antecedente ao Fordismo e posterior à ele, então, não dá pra manter uma ideia de subordinação levando em consideração a dimensão da fábrica fordista. Estamos vivendo em uma sociedade exclusão, é preciso reconhecer que o direito do trabalho se aplica a estas pessoas, então, qual o seu papel para que ele se adeque ao tempo de hoje?”.

Ao evidenciar o papel fundamental do direito do trabalho, Carelli propôs uma mobilização geral.  “Em um planeta com recursos finitos, manter a ideia de crescimento acelera a insustentabilidade do sistema. É preciso pensar num trabalho realmente humano, na autorealização do trabalho, e não como elemento obrigatório pra sobrevivência do ser humano”, finaliza.