Especialistas em Direito do Trabalho analisam os 30 anos da Constituição e suas repercussões

22/10/2018

No ano em que completa três décadas, a Constituição brasileira continua suscitando debates, sendo fonte inesgotável de interpretação e análise. Foi com esse objetivo que Magistrados, Procuradores do Trabalho, Advogados, Servidores e estudiosos do Direito do Trabalho se debruçaram, na última sexta-feira, 19/10, sobre os avanços e retrocessos da Carta Magna e seus impactos no Direito do Trabalho durante o Congresso de Magistrados Trabalhistas da Bahia (COMAT), cujo tema central foi: “30 anos da Constituição Federal e o Direito do Trabalho em mutação”. O evento, uma promoção da Amatra5, foi realizado no Hotel São Salvador, no bairro do Stiep, em Salvador, e reuniu um público de mais de 200 pessoas.

A abertura coube à Presidente da Amatra5, Angélica Ferreira, que começou destacando a presença de representantes ilustres no congresso, entre eles dois Ministros do TST e dois Conselheiros do CNJ, além de juristas de renome nacional. A magistrada ressaltou ainda a importância do tema escolhido, enfatizando que a Reforma Trabalhista relativizou o princípio da proteção em vários de seus dispositivos, fazendo surgir uma nova ótica para o Direito do Trabalho. “O XXVIII COMAT é uma forma de levarmos essa discussão para os nossos parceiros de todas as horas, como Procuradores do Trabalho, Conselheiros do CNJ, Advogados e Estudantes”.  Por fim, agradeceu ao Diretor Cultural da Amatra5, Juiz Guilherme Ludwig, que cuidou de cada detalhe do congresso; à Caixa Econômica Federal, patrocinadora do evento; e ao TRT5 e à Escola Judicial, pelo apoio institucional.

Participaram também da mesa de abertura: a Ministra do TST Delaíde Arantes; o Presidente da Anamatra, Juiz Guilherme Feliciano; a Diretora da Escola Judicial, Desembargadora Margareth Rodrigues Costa; o Presidente da ABAT, Advogado Jorge Lima; o Procurador Chefe do MPT/BA, Luís Carneiro; e o Diretor Cultural Guilherme Ludwig.

A primeira atividade foi uma Roda Viva, na qual o Procurador Silvio Beltramelli Neto (MPT/15), abordou o tema “30 Anos da Constituição na Perspectiva do Direito Material do Trabalho”. A condução dos trabalhos coube à Diretora de Aposentados e Pensionistas da Amatra5, Geruzia Amorim, que foi acompanhada pelas Juízas Ana Paola Diniz e Priscila Lima e pelas advogadas Christianne Gurgel e Adriana Wyzylowski, além da Procuradora do Trabalho Rosângela Lacerda, que encaminhou questionamentos por escrito.

O Procurador respondeu as perguntas das debatedoras. Um dos aspectos destacados por Silvio Beltramelli Neto foi que a premissa de interpretação da Reforma Trabalhista deve ser a Constituição e que ela resguarda os Direitos Humanos. “E o faz dentro de um cenário maior, que são os tratados internacionais”, ressaltou ele, citando o caso de pessoas submetidas ao trabalho escravo na Fazenda Brasil Verde, no Pará. Segundo o Procurador, a Corte Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA) condenou, em 2016, o Estado brasileiro a indenizar um grupo de agricultores daquele Estado.

Na sequência, os Conselheiros do CNJ Valtércio Ronaldo de Oliveira (TRT5) e Luciano Frota (TRT/10) abordaram o tema “A evolução do Conselho Nacional de Justiça”. O primeiro a falar foi Frota, que fez uma palestra bastante aplaudida. Ele começou dizendo que o momento atual exige um novo Judiciário, não apenas para garantir o cumprimento da Constituição, mas também para assegurar a Democracia e a independência dos poderes. Contextualizou a criação do CNJ e ressaltou a sua importância do na garantia da transparência do Judiciário brasileiro, mostrando, por meio de números, o desempenho do setor.


Depois foi a vez do Conselheiro Valtércio de Oliveira, que lembrou que a Reforma Trabalhista não trouxe os empregos prometidos pelos defensores da mudança e que o Brasil continua com mais de 13 milhões de desempregados. Citou ainda a grande carência de servidores no Judiciário, tanto no primeiro quanto no segundo grau. Por fim, disse que estará sempre na trincheira em defesa da Justiça do Trabalho.

A última palestra da manhã coube à Ministra do TST Delaíde Alves Miranda, que abordou o tema “A Magistratura Trabalhista e a Vedação ao Retrocesso Social”. Começou citando o discurso do deputado Ulysses Guimarães, presidente da Assembleia Nacional Constituinte, quando da promulgação da Constituição, em 1988.

Em seguida afirmou que a Reforma Trabalhista aprovada pelo Congresso vulnerou o Direito do Trabalho, com um esvaziamento do princípio da igualdade e o enfraquecimento da representação sindical, além da permissibilidade de jornadas excessivas do trabalhador, entre outros efeitos.


A Ministra destacou ainda, como fez o primeiro palestrante, que o Brasil não tem a cultura de invocar a aplicação das normas e tratados internacionais. “Precisamos implantar essa cultura na área trabalhista”, disse ela.

Painéis temáticos

Após o almoço, o evento foi retomado à tarde com o painel “A Precarização do Trabalho e a Constituição Federal”, que teve como palestrantes a Desembargadora Carina Bicalho (TRT/1) e o Advogado paranaense José Affonso Dallegrave Neto. A primeira a falar foi Carina, que demonstrou, por meio de exemplos, que a Constituição está sendo, de certa forma, reescrita pelo STF, que está retirando a centralidade humana do trabalho e colocando no lugar a livre iniciativa. “Houve uma ruptura paradigmática com os pressupostos do Direito do Trabalho, como o princípio da proteção e da alteridade”.

A Magistrada exibiu ainda um vídeo de um aplicativo de transporte que tende a manipular emoções, passando uma falsa ideia de que o motorista é dono de seu tempo e um empreendedor nato, quando na verdade a plataforma não é dele e é preciso trabalhar muito para conseguir algum retorno financeiro.


Depois foi a vez do advogado Dallegrave Neto, que fez uma abordagem ampla sobre o Direito do Trabalho, citando a entrada do Brasil no neoliberalismo, ainda na época do ex-presidente Fernando Collor de Melo. Ele destacou que houve uma redução acentuada no número de causas ajuizadas pelo seu escritório. “Não sou contra a modernização, mas a reforma Trabalhista é, em sua maior parte, perversa”, disse.

Na sequência, o Juiz Ney Stany Morais Maranhão (TRT/8) e o Desembargador Manoel Carlos Toledo Filho (TRT/15) participaram do Painel “Desafios da Justiça do Trabalho no Estado Constitucional”. O primeiro a falar foi o Juiz, que começou fazendo uma analogia entre os dias atuais e o Deus Jano (que possui duas faces). Segundo ele estamos na fronteira entre o passado e o futuro, de maneira análoga à mitologia. Depois, citando o filósofo Alain Supiot, disse que o Direito do Trabalho é uma técnica de humanização das outras técnicas. “O Direito do Trabalho é a concretização do princípio da isonomia”, reforçou ele, afirmando que a depender da forma como o Direito do Trabalho se imponha à 4ª Revolução Industrial, ela vai balizar os outros ramos do Direito.

Em continuidade, o Desembargador Manoel Carlos Toledo Filho fez uma breve retrospectiva da origem da Justiça do Trabalho no Brasil, lembrando que foi a Constituição de 1946 que instituiu a JT com um poder autônomo. Disse que a década de ouro desse ramo do Judiciário aconteceu entre 2005 e 2015, com prestígio institucional e ampliação da estrutura.

Em 2015, segundo o Desembargador, começou a ofensiva contra a JT, com o novo CPC e, no ano seguinte, o corte orçamentário discriminatório. A situação ficou pior em 2017 com a Reforma Trabalhista. “A nossa Justiça é célere e especializada, essencial para a Nação e vital para a sociedade”, disse o magistrado.


Para fechar o evento, o Ministro do TST Cláudio Brandão e o Presidente da Anamatra, Juiz Guilherme Feliciano, abordaram o tema “O Direito Constitucional do Trabalho e a Jurisprudência do TST”.

O presidente da Anamatra foi o primeiro a falar, citando vários casos envolvendo o STF e os Direitos Sociais. Ele mostrou, por exemplo, uma decisão de 2007, que reconhece a legitimidade da greve de estudantes. Segundo Guilherme Feliciano, a lógica das decisões do Supremo é uma premissa aberta para os juízes de 1º grau basearem suas decisões.

O evento chegou ao fim com a palestra do Ministro Cláudio Brandão, que iniciou lembrando o processo democrático envolvido na elaboração da Constituição de 1988. Houve o reconhecimento das minorias, como os quilombolas; a defesa do meio ambiente; e a inserção dos Direitos Sociais como cláusulas pétreas. Perguntou: qual o papel do Juiz do Trabalho? Ele acredita que a responsabilidade é grande para quem atua no primeiro grau, pois cabe a ele interpretar os casos à luz do texto constitucional. “O grande desafio é fazer com que a Constituição não seja apenas um texto, mas, citando Ulysses Guimarães, a sobrevivência da Democracia”.

Elogios à programação

O auditório lotado desde a primeira palestra mostrou o acerto dos organizadores na programação do XXVIII COMAT. Para o estagiário de Direito Trabalhista Vítor Ribeiro, 23 anos, as palestras foram muito boas. “É um evento grandioso com um custo baixo”, disse ele, que estava participando pela primeira vez do congresso. Já o advogado Jorge Teixeira, com mais de 30 anos de profissão, também elogiou o evento. “Excelente o nível dos palestrantes” disse ele, que gostou bastante da palestra dos Conselheiros do CNJ, que demonstraram a preocupação em abrir o Poder Judiciário para a sociedade, numa demonstração de transparência.