Carlos Roberto Husek encerra o XXIX COMAT: “Os direitos humanos estão efetivamente em crise no mundo inteiro”

04/10/2019

Durante a Conferência de encerramento do Congresso de Magistrados Trabalhistas da Bahia – XXIX COMAT, realizado pela AMATRA 5, o Desembargador do Trabalho (TRT2-SP) Carlos Roberto Husek, na palestra ‘A Justiça do Trabalho e a Concretização de Direitos Fundamentais’, teceu comentários e reflexões sobre a atual legislação trabalhista e de que forma os direitos fundamentais são ou deixam de ser concretizados através dela. A palestra foi presidida pelo Vice-presidente da AMATRA 5, Guilherme Ludwig.

Em seu discurso, Husek discutiu não apenas sobre a justiça do trabalho ou direitos fundamentais básicos mas, sobretudo, sobre a atual situação enfrentada na justiça e no direito como um todo no Brasil e no mundo. “Para falar desses tempos obscuros da justiça do trabalho e da concretização de direitos fundamentais não vou apresentar apenas uma fala técnica, mas uma fala política e institucional, relacionada ao fundamento da própria república e do que pensamos da vida, pois a justiça em si está em crise porque os direitos fundamentais e os direitos humanos estão efetivamente em crise no mundo inteiro. São tempos de desmantelamento da justiça, de desacordo em relação as instituições que temos, tempos de desequilíbrio social, da estrutura do pensamento jurídico e da ética como prática social”.

Em defesa do equilíbrio, o Desembargador propôs uma pausa para pensar na velocidade acelerada dos dias atuais e na responsabilidade fatal e, principalmente, institucional das figuras jurídicas ao falar e escrever. “Não podemos escapar do mundo moderno e quero me adaptar a este mundo. O mundo do Whatsapp e do Instagram que facilita a nossa vida também é aquele que nos complica, não pela tecnologia, mas porque não assumimos o papel de seres humanos e a ideia de que aquilo é um instrumento de trabalho e de comunicação pura e simplesmente”.

Em crítica à falsa liberdade de expressão propagada nos meios virtuais Husek destaca que “atrás das telas ninguém está protegido. Fala-se qualquer coisa e isso vem com consequências psicológicas, morais, psicanalíticas e até jurídicas. Tenho medo do que falo, do que escrevo, do que gesticulo e o medo é uma responsabilidade, são tempos de incompreensão e precisamos caminhar com calma, conduzir o nosso aprendizado e aplicá-lo num caminho seguro, que ajude as pessoas efetivamente”. Por isso, segundo o desembargador, a sociedade não progrediu em si, apenas os processos tecnológicos e, para pensar no futuro, é preciso fazer uma autocrítica primeiro. “O ser humano é o mesmo desde a época da Grécia [Antiga] até os dias atuais. A grande revolução que podemos fazer está além do mundo tecnológico e do processo tecnológico mais avançado, está em nos revolucionarmos efetivamente, está em adquirirmos conhecimentos já antigos e adaptarmos ao mundo moderno, entendendo que somos seres humanos com defeitos e qualidades e o mundo tecnológico apenas nos oferece instrumentos necessários para a modernidade”.

Essa época de transição pode, entretanto, ser realmente um grande impulso para a melhoria social, tendo como base os conhecimentos dos direitos humanos fundamentais e da Constituição Federal. “A melhoria passa pelos problemas”, destaca. “O Estado hoje vive uma soberania relativa, o que é muito estranho dizer, já que a soberania sempre foi absoluta, mas é relativa, penso eu, em relação a atuação do estado no mundo. Todo estado tem uma natureza de completude das normas internacionais”. Segundo ele, o mundo internacional segue por duas áreas básicas: os direitos humanos, “pois nenhum país pode se apartar das regras”; e as convenções econômicas, pois nenhum país pode contrariar normas econômicas internacionais.

A proposta do desembargador para apontar novas alternativas contrárias ao desmantelamento da justiça do trabalho é a obediência à Constituição Federal, “ela tem um papel, é vinculante, não é um ideário de normas, ela disciplina o estado, a sociedade e a nossa conduta. A única forma de mudar o mundo atual, mais do que revoluções tecnológicas, talvez, é obedecer a Constituição Federal, pois é ela que estabelece comportamentos obrigatórios para que os indivíduos possam agir. Somos a voz dessa constituição e ela nos apresenta ao mundo no exercício e poder que temos”, destaca.

De acordo com a constituição, no processo de trabalho, a justiça social prevalece sobre a mera ordem econômica. “A reforma mudou intrinsecamente a natureza do trabalho porque a proteção maior era dada ao trabalhador de forma geral e a menor, de ordem econômica, mas inverteu-se e com essa lei, nós temos uma ordem econômica no círculo maior. Isso é inconstitucionalidade”.

Em um país tão assimétrico, com 14 milhões de pessoas desempregadas, o direito exerce um papel fundamental. “Ficamos olhando a lei ordinária em vez de olhar mais a constituição e as convenções internacionais. A base do direito está em recriar a interpretação possível da lei ordinária. O que nos salva é o direito e não aquele que fica solidificado no passado, nem o que pega o Spotinik e fica transitando pela atmosfera, é preciso equilíbrio pois isso ajuda nossa forma de ser e agir. A ideia é manter o mínimo, ficar na média pra tentar equalizar as situações sociais, não dá pra fechar os olhos com coisas tão díspares e o direito é a possibilidade de equalizar essa situação. É preciso que os empresários pensem de maneira diferente e os empregados também, mas isso é uma via de mão dupla. Temos que aprender. Estamos em um mundo de muitos gaviões e poucos passarinhos, precisamos ser mais passarinhos”.