Ex-detentores de cargo público perdem direito a foro
15 de setembro de 2005


Por maioria de votos, o plenário do Supremo declarou a constitucionalidade do foro especial para ex-ocupantes de cargos públicos e/ou mandatos eletivos. A decisao foi tomada no julgamento da Açao Direta de Inconstitucionalidade (ADI 2797) proposta pela Associaçao Nacional dos Membros do Ministério Público (Conamp).



A açao contestava os parágrafos 1s e 2s do artigo 84 do Código de Processo Penal (CPP), que estabelece foro privilegiado a ex-detentores de cargo público por ato de improbidade administrativa (Lei 10.628/2002). Com a decisao, eles perdem o direito de serem julgados por um foro especial na Justiça nos casos de atos de improbidade administrativa. Agora, essas ex-autoridades devem ser julgadas pela instância judicial competente, de acordo com a natureza do ato.



No julgamento prevaleceu o entendimento do relator, Sepúlveda Pertence, que considerou procedente a açao. "O meu voto acolhe basicamente a açao de improbidade por nao se cuidar de uma competencia penal e conseqüentemente nao poder somar-se r competencia originária do Supremo que é exclusivamente constitucional", afirmou o ministro Pertence.



De acordo com o relator, o parágrafo 1s do artigo 84 "constitui evidente reaçao legislativa ao cancelamento da Súmula 394" pelo Supremo. "Tanto é assim que a redaçao dada ao dispositivo questionado se aproxima substancialmente da proposta, entao recusada pelo Tribunal".



A Súmula 394 estabelecia que "cometido o crime durante o exercício funcional, prevalece a competencia especial por prerrogativa de funçao, ainda que o inquérito ou a açao penal sejam iniciados após a cessaçao daquele exercício".



Votos



Seis ministros acompanharam o entendimento do relator. O ministro Joaquim Barbosa, ao votar, afirmou que o dispositivo atacado contém uma "mácula insanável", pois traduz tentativa de neutralizar decisao do Supremo, que resultou no cancelamento da Súmula 394. Barbosa citou o relator, ministro Sepúlveda Pertence, ao ressaltar ser inconstitucional qualquer iniciativa do legislador ordinário no sentido de reformular entendimento formalmente expresso pelo STF. "Admitirmos [a lei] equivaleria a submeter rs decisoes dessa Corte aos humores do poder político", disse.



Por sua vez, o ministro Carlos Ayres Britto, durante seu voto, lembrou que, conforme o Supremo, em matéria de prerrogativa de foro prevalece o princípio da atualidade do exercício da funçao. "O ex-titular do cargo, do mandato, da funçao nao carrega consigo a prerrogativa como traz consigo a sua roupa, a sua indumentária, a sua vestimenta cotidiana, entao me parece que, neste caso específico, o cancelamento da Súmula 394 foi muito bem processado e se mantém rigorosamente atual nos seus fundamentos jurídicos", considerou o ministro.



O ministro Cezar Peluso também acompanhou integralmente o voto do relator. Peluso apontou uma diferença entre prerrogativa e privilégio, observando que a primeira é uma salvaguarda para o exercício da funçao pública com autonomia. Por outro lado, afirmou o ministro, quando cessa a funçao pública, a manutençao de tal prerrogativa passa a ser um privilégio, por adquirir um caráter pessoal e nao funcional. Segundo o ministro Cezar Peluso, nesse sentido é inquestionável a revogaçao da Súmula 394, que acabou com o foro especial para quem deixou o cargo.



O ministro Marco Aurélio também acompanhou o voto do relator e afirmou que a competencia do Supremo é fixada de forma exaustiva na Constituiçao Federal nao existindo possibilidade de ampliar essa competencia mediante lei ordinária. Segundo o ministro, o que está em jogo "é a intangibilidade da Constituiçao, que nao pode ser alterada pelo legislador ordinário".



Seguindo a mesma argumentaçao, o ministro Carlos Velloso ressaltou que o parágrafo 2s do artigo 84 do CPP, um dos dispositivos questionados na açao, equipara em nível constitucional a açao civil por improbidade administrativa e o delito penal, o que contraria o disposto no artigo 37, parágrafo 4s da Constituiçao da República. Para Velloso, a lei atacada também invade a competencia originária do Supremo, que é taxativamente expressa pela Carta Magna.



Celso de Mello também votou com o relator, declarando inconstitucional os dispositivos impugnados. Ele afirmou que o Congresso Nacional nao tem legitimidade para restringir ou ampliar a competencia originária do STF, do STJ, dos Tribunais Regionais Federais e dos Tribunais de Justiça dos Estados. "É uma indevida ingerencia normativa do Congresso Nacional", assinalou. De acordo com Celso de Mello, somente por emenda r Constituiçao se poderia modificar a competencia dos tribunais. "Nada pode autorizar o desequilíbrio entre os cidadaos, nada pode justificar a outorga de tratamento seletivo que vise a dispensar determinado privilégio, ainda que de índole funcional, a certos agentes públicos que nao mais se acham no desempenho da funçao pública", finalizou.



A divergencia



O ministro Eros Grau, ao ler seu voto-vista, abriu divergencia em relaçao ao voto do relator. O ministro julgou parcialmente procedente a açao, conferindo aos parágrafos 1s e 2s do artigo 84 do Código de Processo Penal, interpretaçao conforme a Constituiçao.



Segundo Grau, a açao de improbidade administrativa tem reflexo de natureza penal daí porque os que cometerem irregularidades no exercício do cargo deverao responder no foro especial, ressalvados os casos já julgados na primeira instância.



O ministro explicou que o agente político, mesmo depois de afastado da funçao pública, deve ser processado e julgado perante o foro definido por prerrogativa de funçao, se acusado criminalmente por fato ligado ao desempenho das funçoes inerentes ao cargo.



Por outro lado, disse que o agente político nao responde a açao de improbidade administrativa se estiver sujeito a crime de responsabilidade pelo mesmo fato. Nao estará, neste caso, abrangido pelas disposiçoes atinentes ao foro para propositura de açao de improbidade estabelecidas no artigo 84 e parágrafos do Código de Processo Penal. "Nao há como conceber a convivencia de uma açao de improbidade de nítidos efeitos penais, de responsabilidade política, com uma açao penal correspondente por crime de responsabilidade ajuizadas perante distintas instâncias judiciais", afirmou, para acrescentar que a puniçao para a autoridade cujo ato de improbidade está tipificado como crime de responsabilidade já estaria previsto na lei que cuida dessa situaçao específica.



Já para o ministro Gilmar Mendes, que acompanhou a divergencia aberta pelo ministro Eros Grau, qualquer equiparaçao absoluta entre agentes políticos e os demais agentes públicos é equivocada. Nesse sentido, defendeu que "prerrogativa de foro nao se confunde com foro privilegiado, pois a prerrogativa de funçao é distinta de privilégios na funçao".



Gilmar Mendes salientou que ao criar a lei questionada, o legislador apenas optou por uma disciplina que melhor concretiza a instituiçao da prerrogativa de foro prevista na Constituiçao.



Em sua avaliaçao, "só faz sentido falar em prerrogativa de foro se ela se estende para além do exercício das funçoes". Segundo argumenta, "é nesse momento que presta alguma utilidade ao ocupante do cargo". No entendimento do ministro Gilmar Mendes, as perseguiçoes, inclusive processuais, ocorrem depois do abandono do cargo. A ministra Ellen Gracie presidiu a sessao e acompanhou a divergencia.



 


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